A Ladainha de Nossa Senhora é uma oração de súplica marcada pela repetição de invocações como o ora pro nobis – rogai por nós – e possui diferentes formas na história cristã. É fruto de séculos de veneração a Maria, com modalidades sempre renovadas ao longo da trajetória da Igreja, guiada pelo Espírito Santo. De acordo com alguns pesquisadores, a ladainha dedicada à Nossa Senhora, se originou da ladainha dos santos, cujas raízes remontam ao século V, do texto grego na Ásia Menor. Essa estrutura foi enriquecida com o tempo, agregando outros títulos e nomes sagrados.
Entre os diversos formulários, se destaca a Ladainha Lauretana, consolidada entre os séculos XV e XVI, que se tornou uma expressão universal de devoção mariana (BASADONNA; SANTARELLI, 2000).
ANTIGOS ESQUEMAS DE LADAINHAS MARIANAS
Para compreender o desenvolvimento das súplicas de Nossa Senhora, é pertinente apontar os antigos esquemas de ladainhas marianas, que permitem entender como, ao longo dos séculos, foram formados os primeiros formulários autônomos da ladainha, aos quais se acrescentaram novos títulos marianos.
De acordo com os pesquisadores Basadonna e Santarelli (2000), existiram quatro tipos fundamentais de ladainha de Nossa Senhora: venezianas, lauretanas, deprecatórias e outras. O manuscrito mais antigo é o que contém a Ladainha Veneziana e está preservado na Biblioteca Nacional de Paris e data do século XII.
Essa composição inclui quarenta e duas invocações, todas introduzidas pela As ladainhas “venezianas”, chamadas assim por serem usadas na Basílica de São Marcos em Veneza até 1820, têm suas origens em Aquiléia. expressão Sancta Maria e seguidas da resposta invariável ora pro nobis – rogai por nós. Um texto de 1716, também referente à Ladainha Veneziana, apresenta um total de quarenta e três invocações. Ao se analisar diversos códices, o número de invocações marianas chega a setenta e seis, com um foco predominante nos títulos de Mãe e Virgem.
De igual modo, é pertinente mencionar a Ladainha Deprecatória, conhecida por seu caráter suplicante. O mais antigo formulário dessa ladainha está registrado em um manuscrito de Mogúncia, datado do século XII. Existem, ainda, outros registros dessa oração de súplica em manuscritos dos séculos XII a XV, provenientes de diferentes regiões, o que demonstra a disseminação e a relevância dessa prática oracional ao longo da Idade Média.
Destaca-se também, outras formas de ladainhas que são adaptações das ladainhas venezianas ou lauretanas, com alterações, inserções e acréscimos realizados sobretudo nos séculos XV e XVI. Muitos desses formulários ainda
aguardam análise detalhada, pois permanecem em arquivos e bibliotecas pouco explorados (BASADONNA; SANTARELLI, 2000).
LADAINHA LAURETANA
Após armos pela análise dos antecedentes históricos e dos diferentes formulários de ladainhas marianas, adentramos ao foco central deste trabalho: a apresentação da Ladainha Lauretana. Essa oração, amplamente utilizada a partir da primeira metade do século XVI no santuário da Casa Santa de Loreto, consolidou-se como uma prática devocional mariana e, a partir daí, espalhou-se por toda a Igreja. O que salta aos olhos é que, segundo os estudiosos, sua gênese não ocorreu no santuário: “A ladainha de Nossa Senhora mais difundida e mais conhecida no mundo católico é a lauretana. Ela não nasceu no santuário da Casa Santa de Loreto, mas aí se firmou e daí se irradiou para toda a Igreja” (BASADONNA; SANTARELLI, 2000, p.13).
A Ladainha Lauretana ou por um processo de evolução ao longo dos séculos. Com o tempo, outras invocações foram sendo acrescentadas. A invocação Auxilium Christianorum – Auxílio dos cristãos – foi adicionada por Pio VII (1800-1823), embora já houvesse registros de que São Pio V a introduziu informalmente em comemoração à vitória cristã sobre os turcos na Batalha de Lepanto, em 1571. Outra invocação, Regina Sine Labe Originali Concepta – Rainha concebida sem pecado original – surgiu por iniciativa dos frades capuchinhos de Gênova no século XVIII. Essa inclusão deve ser entendida no contexto dos intensos debates que antecederam a definição do dogma da Imaculada Conceição, promulgado por Pio IX em 1854. Por sua vez, a invocação Regina Sacratissimi Rosarii – Rainha do Sacratíssimo Rosário – era usada pelos frades dominicanos desde 1614, sendo oficialmente incorporada à Ladainha apenas em 1883 por Leão XIII. É relevante notar que os dominicanos foram grandes divulgadores da oração do Rosário.
Posteriormente, foi acrescentada a invocação Mater Boni Consilii – Mãe do bom conselho – feita por Leão XIII, em 1903, em homenagem ao Santuário de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, localizado na terra natal do papa. A invocação Regina Pacis Rainha da paz – foi introduzida por Bento XV em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, quando a invocação da paz se fazia particularmente necessária. Também foram introduzidas as invocações Regina In Coelum Assumpta – Rainha Assunta Ao Céu – foi inserida por Pio XII em 31 de outubro de 1950, um dia antes da proclamação do dogma da Assunção de Maria. O título Mater Ecclesiae – Mãe da Igreja – foi concedido por Paulo VI em 21 de novembro de 1964, ao término da terceira sessão do Concílio Vaticano II, e incluído na Ladainha em 1980 por São João Paulo II.
São João Paulo II também contribuiu com acréscimos importantes à Ladainha de Nossa Senhora. Em 1995, ele incluiu a invocação Regina Familiae – Rainha da Família – respondendo a um pedido do Santuário de Loreto por ocasião do 7º Centenário da Casa Santa (BASADONNA; SANTARELLI, 2000). Em 20 de junho de 2020, o Papa Francisco determinou a inclusão de três novas invocações na Ladainha de Nossa Senhora Mater Misericordiae – Mãe da Misericórdia – Mater Spei – Mãe da Esperança – Solacium Migrantium –Conforto ou Ajuda dos Migrantes.
ESTRUTURA DA LADAINHA
Será apresentada a tradução latina da Ladainha Lauretana, com o intuito de apreciar a forma como se consolida cada uma das séries de invocações:
A estrutura atual da Ladainha de Nossa Senhora consiste em uma série de invocações introdutórias que fazem referência à Santíssima Trindade, seguidas por aproximadamente 50 invocações marianas que culminam com a resposta da assembleia: rogai por nós. A ladainha encerra-se com uma súplica penitencial ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (BASADONNA; SANTARELLI, 2000, p. 19).
1ª. Série de invocações: temática de Jesus Cristo e invocação à Santíssima Trindade:
Senhor, tende piedade de nós
Cristo, tende piedade de nós
Senhor, tende piedade de nós
Deus, Pai do céu. Piedade de nós
Deus Filho, Redentor do mundo. Piedade de nós
Deus Espírito Santo. Piedade de nós
Santíssima Trindade, que sois um só Deus. Piedade de nós
Três invocações iniciais oriundas da Ladainha de Todos os Santos:
Santa Maria, rogai por nós
Santa Mãe de Deus
Santa Virgem das virgens
2ª. Série de invocações: Maternidade de Maria:
O segundo grupo é composto por doze invocações que ressaltam Maria como Mãe. Ao chamá-la de Mãe de Deus, professa-se a fé na união indissolúvel entre a humanidade e a divindade de Jesus, acreditando-se que a humanidade assumida foi redimida e garantindo, assim, a salvação (BASADONNA; SANTARELLI, 2000, p. 20).
Mãe de Cristo,
Mãe da Igreja
Mãe da divina graça
Mãe puríssima
Mãe castíssima
Mãe Imaculada
Mãe digna de amor
Mãe irável
Mãe do bom conselho
Mãe do Criador
Mãe do Salvador
3ª. Série de invocações: Virgindade de Maria:
Seis invocações se referem à Maria como “virgem”. Este dogma bíblico indica que aquele que nasceu de Maria é Deus encarnado. Ele assumiu a nossa carne e por isso fomos salvos. Dizer que Maria concebeu do Espírito Santo é professar a fé na divindade de Jesus (BASADONNA; SANTARELLI, 2000. p. 21).
Virgem prudente
Virgem digna de honra
Virgem digna de louvor
Virgem poderosa
Virgem clemente
Virgem fiel
4ª. Série de invocações: As figuras simbólicas de Maria que evidenciam sua virtude e papel como co-redentora da humanidade:
“O próximo grupo é formado de treze expressões colhidas das páginas da Sagrada Escritura e também da tradição patrística. São expressões poéticas, nem sempre de imediata compreensão” (BASADONNA; SANTARELLI, 2000, p. 22).
Espelho de perfeição
Sede da sabedoria
Fonte de nossa alegria,
Vaso espiritual
Tabernáculo da eterna glória
Moradia consagrada a Deus
Rosa mística
Torre da santa cidade de David
Fortaleza inexpugnável
Santuário da presença divina
Arca da aliança
Porta do céu
Estrela da manhã
Saúde dos enfermos
Refúgio dos pecadores
Consoladora dos aflitos
Auxílio dos cristãos
5ª Série de invocações: Maria como Rainha:
Finalmente, o quinto grupo é formado por doze invocações que celebram Maria como Rainha. Maria, que aceitou seu papel na história da salvação ao declarar ser a serva do Senhor, e agora reconhecida como a soberana do céu e da terra, cuja realeza é reverenciada por anjos, patriarcas, profetas, apóstolos e mártires. (BASADONNA; SANTARELLI, 2000, p. 22).
Rainha dos anjos,
Rainha dos patriarcas,
Rainha dos profetas,
Rainha dos apóstolos,
Rainha dos mártires,
Rainha dos confessores da fé
Rainha das virgens
Rainha de todos os santos
Rainha concebida sem pecado
Rainha assunta ao céu
Rainha do rosário,
Rainha da paz.
6ª. Série de invocações: Invocação de Cristo, Cordeiro de Deus – remissão dos pecados:
Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos Senhor
Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, ouvi-nos Senhor
Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós
O CANTO DA LADAINHA MARIANA NO SANTUÁRIO DE LORETO
O canto da ladainha vai além de uma simples recitação, sendo uma expressão de louvor e súplica que demonstra a veneração à Virgem Maria de forma comunitária. Os fiéis são convocados a unir suas vozes em um único coro para invocar a intercessão de Maria, reconhecida como aquela que roga junto a Deus em favor da humanidade.
De acordo com alguns estudiosos, em 10 de dezembro de 1531, durante a cerimônia de lançamento da primeira pedra para o revestimento de mármore da Casa Santa, foi registrado o canto da ladainha de Nossa Senhora, marcando a primeira evidência documentada dessa prática no santuário de Loreto (BASADONNA; SANTARELLI, 2000). Embora seja razoável inferir que tal costume já existisse anteriormente.
Em 31 de janeiro de 1547, o cônego de Loreto, João de Albona, deixou um legado aos agostinianos de Recanati para que uma missa fosse celebrada todos os sábados em honra de Nossa Senhora, incluindo o canto ou a recitação da ladainha mariana. Posteriormente, por volta de 1565, foi registrado que os peregrinos chegavam ao santuário de Loreto cantando a ladainha de Nossa Senhora, evidenciando que essa prática já estava profundamente enraizada na devoção popular da época (BASADONNA; SANTARELLI, 2000). Atualmente, essa prática ainda é utilizada após a recitação do terço nas comunidades, sendo incorporada como um elemento devocional que enriquece e complementa a oração.
Em síntese, é importante compreender que a Ladainha Lauretana não tem como objetivo principal ser objeto de análise ou reflexão intelectual, mas sim servir como uma oração profunda e envolvente. Ela se configura como uma expressão de prece e um instrumento catequético. Suas metáforas poéticas, embora complexas, têm a capacidade de tocar o coração dos devotos, promovendo uma experiência espiritual que convida à contemplação do Mistério. É nas comunidades simples que o verdadeiro valor das ladainhas se manifesta, sendo recitadas com fé. Enxergar a Ladainha como um conjunto de fórmulas repetitivas e ultraadas é um equívoco; ao contrário, ao rezá-la, o fiel é conduzido a uma experiência de acolhimento e conforto, como uma criança nos braços de Maria, onde sempre se encontra Jesus.
REFERÊNCIAS
BASADONNA, Giorgio; SANTARELLI, Giuseppe. Ladainhas de Nossa Senhora.
Tradução João Rezende Costa. São Paulo: Edições Loyola, 2000.